23 de abril de 2011 | N° 9148
PENSO | por Paulo Markun
A corrida maluca
No dia 7de setembro de 1952, dona Lia pegou um táxi em Santo Amaro até a rua Frei Caneca, nas proximidades da Avenida Paulista. A 18 quilômetros do Centro de São Paulo, o bairro era servido por ônibus, bondes e lotações. Táxi era artigo de luxo – ainda mais para uma família de classe bem média. Alguns dias mais tarde, Lia deixou a Maternidade São Paulo, também de táxi, trazendo um bebê magrelo enrolado nos cueiros. Meses mais tarde, Bernardo, seu marido, comprou o primeiro carro. O Opel Olímpia creme zero quilômetro, pago em suaves prestações mensais, foi um dos poucos luxos a que o bancário sempre controlado nas despesas resolveu se permitir, logo após o nascimento de seu herdeiro – este colunista.O carrinho alemão nos serviu por 12 anos. Fervia todo verão, na volta do litoral, ao subir a Serra do Mar, mas, no mais, não causava problema. Quando a indústria automobilística brasileira começou a andar sobre suas próprias pernas – ou rodas –, o Opel foi substituído por um Fusquinha verde claro. Depois, vieram outros Fuscas e Kombis. Os brasileiros queriam ter automóveis e não havia financiamento razoável, o que levou Bernardo e um colega de banco a criarem o primeiro consórcio de automóveis do país. Vendiam os carros a preço de custo, sem taxa de administração. Chegaram a gerenciar 17 grupos. O lucro vinha de descontos oferecidos pelos revendedores. Em 1967, no auge do negócio, cheguei a viajar no Galaxie zerinho que o sócio de meu pai comprou – e que até meu velho cobiçava.Lembrei dessa história toda quando me dei conta de que Florianópolis caminha acelerado para ocupar a pole position no ranking das cidades mais motorizadas de um país cuja frota de carros cresce seis vezes mais do que seus habitantes. Na última década, a população brasileira cresceu 12% e o volume de carros aumentou 75%. Há 10 anos, éramos 170 milhões de pessoas e uma frota de 21 milhões de carros, ou seja, um veículo para cada oito pessoas. No fim do ano passado, esta proporção passou a ser de um automóvel para cinco habitantes. Nossa Ilha está em segundo lugar na lista de motorização. A São Paulo dos congestionamentos apavorantes ocupa o terceiro lugar, com 2,4 habitantes por carro.Acho que a primeira providência das nossas autoridades – e também a mais barata – seria incluir Florianópolis na lista de cidades alcançadas pelo estudo global com que a IBM avalia as consequências dos congestionamentos em 20 cidades mundiais. Por enquanto, a única metrópole brasileira avaliada é São Paulo. Se estudam o terceiro colocado, porque não pesquisar quem está em segundo e primeiro nesse Brasil brasileiro?O estudo da IBM entrevistou 8.192 motoristas para analisar as diferenças regionais em padrões de percurso entre casa e trabalho, a relação entre trânsito e desempenho no trabalho e na escola, saúde e estilo de vida, planos de viagem, entre outras questões.Numa lista em que a nota piora quando aumenta, as cidades tiveram as seguintes pontuações: Pequim: 99; Cidade do México: 99; Joanesburgo: 97; Moscou: 84; Nova Déli: 81; São Paulo: 75; Milão: 52; Buenos Aires: 50; Madri: 48; Londres: 36; Paris: 36; Toronto: 32; Amsterdã: 25; Los Angeles: 25; Berlim: 24; Montreal: 23; Nova York: 19; Houston: 17; Melbourne: 17; Estocolmo: 15.A maioria dos entrevistados (67%) diz que o trânsito piorou nos últimos três anos. Dezoito por cento acham que a situação piorou muito. Chineses de Pequim e moradores da Cidade do México têm as viagens para o trabalho mais desconfortáveis. Em Moscou, há congestionamentos de até três horas. Mais da metade dos entrevistados diz que o trânsito prejudica sua saúde – e esse percentual alcança 96% em Nova Delhi e 95% em Pequim.Há cidades, contudo, onde a situação é muito melhor, como Estocolmo, onde apenas 14% dos motoristas entrevistados disseram que o trânsito nas ruas afetou negativamente seu desempenho na escola ou no trabalho.Em São Paulo, 47% dos motoristas cancelaram pelo menos uma viagem nos 30 dias anteriores à pesquisa, por causa do tráfego. As viagens de lazer foram as mais prejudicadas. Na tentativa de resolver o problema, um em cada três paulistanos ouvidos mudou a forma de chegar ao trabalho. Entre esses, 21% adotaram esquemas de transporte solidário.Mas a conta que vale para São Paulo e Rio não funciona em Floripa. Primeiro, pelo fato de nossa cidade ter núcleos muito distantes entre si. Além disso, a capital paulista tem 350 habitantes por táxi. No Rio, há 209 pessoas por táxi. Já na Ilha da Magia, 1.581 moradores por veículo. Como vassouras voadoras estão em falta, os 4,5 mil ouvidos pelo Observatório de Inovação do Turismo da FGV colocaram os táxis no topo do ranking das coisas ruins de Floripa, ao lado do comércio.Pelo andar da carruagem (ops!) teremos de seguir o exemplo inglês, onde os congestionamentos têm sido combatidos pela aplicação de uma taxa que desencoraja o uso dos automóveis: o pedágio urbano. Em Londres, onde esse tipo de pedágio já tem 8 anos, os donos de carros particulares pagam o equivalente a US$ 16 por dia para entrar na zona central. O resultado da facada é que o número de veículos particulares no centro da cidade caiu 34% no primeiro ano, enquanto aumentou o número de ônibus em 22%, e o de bicicletas, em 28%. Ao mesmo tempo, o número de ônibus no Centro de Londres creceu 22% e o número de bicicletas, 28%.O pedágio londrino tem de ser pago antecipadamente em centros de varejo, na internet ou por mensagens de texto. Câmeras de vídeo conferem os dados dos veículos com o banco de dados de pagamento da tarifa diária. Quem for pego burlando a lei paga uma multa de US$ 150.Claro que só pedágio não resolve. O automóvel continua sendo o meio de transporte mais confortável, flexível e sedutor. E há uma gigantesca indústria por trás dele. Para mudar o cenário, é preciso somar diversas alternativas.Mas de uma coisa tenho certeza: pior ainda é aumentar drasticamente a tarifa de um sistema de ônibus que funciona mal e porcamente, como acaba de acontecer na capital catarinense.Ah, você está duvidando? Confira a tabela:
Outro estudo, também feito em São Paulo pelo Centro de Estudos de Finanças Pessoais e Negócios (Cefipe), concluiu que é mais barato andar de táxi do que ter um carro. Ou um segundo carro. De acordo com os cálculos, para um automóvel de R$ 40 mil, o custo mensal beira os R$ 2 mil. Fazendo o mesmo trajeto com táxi, a economia seria de R$ 900 por mês. Por este valor é possível andar de táxi, considerando o mesmo trajeto rodado com veículo particular, e economizar mais de R$ 900 mensalmente. Uma conta ligeira, que não inclua, depreciação do valor do automóvel, seguro, multas, lavagens, troca de óleo levará à conclusão – incorreta – que é mais barato ter seu próprio automóvel.
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