sábado, 4 de maio de 2013

Puristas e Xenófobos, Diríamos Uma MERDA se Led Zeppelin, Black Sabbath ou Deep Purple desandassem a fazer adaptações de Cartola ou Noel


Sambô e companhia: um atentado ao rock (e ao samba)

'Sangue Bom', a nova novela das sete da Globo, traz na abertura uma versão apagodada de 'Tempos Modernos', de Lulu Santos, e alça de vez ao estrelato uma brincadeira que tortura ouvidos ao misturar sem critério rock e samba

Carol Nogueira
O grupo Sambô, que emplacou releitura sambada da música Toda Forma de Amor, de Lulu Santos, na abertura da novela Sangue Bom, da Globo
O grupo Sambô, que emplacou releitura sambada da músicaToda Forma de Amor, de Lulu Santos, na abertura da novelaSangue Bom, da Globo (Divulgação)
Desde a última segunda-feira, quem liga na TV Globo pouco depois das sete da noite escuta uma mistura improvável na abertura da novela Sangue Bom. Sacudida por batidas de samba, a faixa Toda Forma de Amor, lançada por Lulu Santos em 1988, ressurge em versão pontuada de agudos – os agudos do vocalista do Sambô, grupo que se tornou conhecido por fazer releituras de clássicos do pop-rock com pitadas (para não dizer patadas) de samba. O horário nobre da televisão foi o último terreno conquistado pela mistureba musical, que já vem pautando o repertório de outros conjuntos, todos parte de um filão que não para de crescer e de vender discos. Além do Sambô, formado em 2006, há derivados como o Oba Oba Samba House e o Rio Samba ‘n’ Roll, ambos com pouco menos de três anos de carreira.
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"Começou como uma brincadeira. Somos todos músicos, mas de outros estilos. Um dia, estávamos no aniversário de um amigo e abrimos uma roda de samba”, conta o vocalista do Sambô, o roqueiro Daniel San – o nome que, sim, é igual ao do filme Karatê Kid, é apelido de infância. Segundo ele, o grupo agradou e passou a ser chamado para animar outros aniversários e festas, e o negócio sem querer foi ganhando corpo. “No início, era só para tocar em festas, mas tivemos muita procura, então largamos tudo e agora fazemos só isso”, diz. Hoje, o grupo faz de vinte a trinta shows por mês, e conta com mais de 200.000 cópias do CD e DVDEstação Sambô, lançado no fim de novembro pela Som Livre (vale dizer: da Globo), vendidas. Não há amor pela música que faça alguém desprezar números tão vistosos.
A história do Oba Oba Samba House, que também já emplacou uma faixa em novela da Globo, a autoral I Love You Baby na trilha da novela Salve Jorge, é parecida. “Somos músicos de samba há treze anos e amigos há ainda mais tempo. Há uns três anos, gravamos de gozação uma versão de Otherside, do Red Hot Chilli Peppers, em versão samba, e ela estourou no YouTube”, conta o vocalista, Luciano Tiso. O grupo acaba de lançar o segundo CD pela gravadora Sony, #navibe, e segue uma agenda de cerca de vinte shows por mês.
Marketing viral -- A internet é a principal ferramenta de marketing dessas bandas. “Um amigo publicou um vídeo nosso tocando uma versão de Rock and Roll, do Led Zeppelin, e ele teve muito acesso. Hoje, conta mais de 40 milhões de cliques”, diz Daniel San, do Sambô. Os vídeos do Rio Samba ‘n’ Roll, que começou em 2010 com versões sambadas de canções de bandas como Maroon 5, Adele e Guns n’ Roses, também tem milhares de visualizações. As prévias do primeiro DVD do grupo, que sai neste mês, alcançaram até 5.000 acessos em noventa dias.
Ainda no Rio de Janeiro, o Bloco do Sargento Pimenta, criado no Carnaval de 2011 para fazer releituras de músicas dos Beatles (o nome é uma referência ao disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band) com ritmos brasileiros como samba, maracatu e xote, tem feito tanto sucesso que neste ano atraiu mais de 100.000 foliões. “Tínhamos receio de fazer John Lennon se revirar no túmulo. Se eu ouvisse falar que um grupo estava transformando canções dos Beatles, ficaria com um pé atrás. Mas as pessoas gostam do que a gente faz”, diz Felipe Fernandes, um dos fundadores do bloco.

Ele tem razão: é frágil a linha que separa a brincadeira do mau gosto. Se entendidas como uma brincadeira, algumas leituras podem até ser perdoadas. Mas alguns casos, ainda que encarados como gozação, agridem os ouvidos e a boa vontade. Como aguentar, por exemplo, uma canção como Sunday, Bloody Sunday, do U2, que trata de um massacre na Irlanda, em ritmo de samba de gafieira? Essa, aliás, parece a única vertente do samba conhecida por esses grupos, que fazem do gênero, tão rico em variações que chegou a ser definido por Vinicius de Moraes como "a tristeza que balança", um lastimável pagodão. Não só o rock sai maltratado: o samba também.
Os músicos, não é à toa, têm ensaiad o discurso de defesa para os seus discos. “A gente não considera o que faz um tipo de samba. E não estamos tirando onda das músicas, estamos tocando a nossa cultura em cima da cultura deles. Mas a crítica vem por todos os lados. Sempre vai haver puristas”, diz Daniel San, do Sambô.
 
Por mais que o mercado esteja agora inundado de releituras sambadas, a mistura não é nova. Nos anos 1970, muitos grupos faziam esse mix, como lembra Claudio Marçal, do Rio Samba ‘n’ Roll. “Sérgio Mendes já tocava Beatles em ritmo de bossa nova nos anos 1960, os Novos Baianos nos anos 70 também eram adeptos de misturar uma guitarra a la Jimi Hendrix com choro e samba, e tudo isso só mostra que a música no século XXI está sempre aberta às possibilidades”, diz. A diferença, falta dizer, é que Mendes e Moraes Moreira e companhia faziam uma mistura, por assim dizer, mais fina.

Justiça seja feita, a maioria dessas bandas parece fazer melhor quando foca só no samba, deixando as invencionices de lado. “Temos consciência de que entramos no mercado por uma porta lateral, mas temos esperança de que aos poucos possamos mostrar nosso trabalho autoral”, diz Daniel San. “Não sei se todo mundo vai gostar. Acredito que não, mas vamos ver.” Vamos ver. 

Samba-rock -- ou rock-samba

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Sambô

Formado em 2006 em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, o grupo tem um vocalista capaz de reproduzir de maneira hilária timbres de diferentes cantores, de Alcione, a Marrom, à roqueira Janis Joplin. O repertório é uma mistureba: tem desde samba de raiz e MPB, que o grupo faz até direitinho, como no caso de É Preciso Muito Amor (de Noca da Portela) e Fato Consumado (de Djavan). Mas o que os tornou famosos foi a releitura de clássicos do rock e do pop, tanto nacional como internacional, com roupagem sambada. Entram na lista músicas como Sunday Bloody Sunday, do U2 -- cujo conteúdo político, sobre um massacre de civis pelo Exército britânico ocorrido na Irlanda, é sacudido por um sambão de quebrar as cadeiras --, e Rock and Roll, do Led Zeppelin, que mais parece uma brincadeira da banda Massacration, dos humoristas Hermes e Renato. Neste ano, a banda emplacou uma versão de Toda Forma de Amor na abertura da novela das sete da Globo Sangue Bom.