Um latido rouco me acordou naquela manhã fria do deserto texano. Era El Tigre voltando da balada de carona no Cadillac cor de ameixa seca de Lauren Linecrost (leia lainecróstchi). Eu ficara no trailer de Lauren, estacionado a pouco mais de 10 km do povoado em que a vagaba levantava uns trocados todas às noites. Exceto aos sábados, dia que guarda puro e impoluto até a meia-noite de seu evangélico preceito. Não havia mais que uma dúzia de fracassados no acampamento de latas velhas. O cemitério de caminhonetes dividia espaços para enjambrações de compensado e fórmica. A casa de Lauren era a mais ajeitadinha, um trailer metálico anos 50, com as aberturas pintadas de pink fosforescente. El Tigre, o perro argentino que me acompanha na aventura ao redor do mundo se sentia em casa como nunca. Desde que deixara para trás El Caminito, na Boca em Buenos Aires, não se sentia tão bem. Fumava um baurete com a piranha logo de manhã cedinho, mijava no cactus mais próximo e se arrumava sob a rede pendurada à sombra das únicas duas árvores que ousaram desafiar a aridez daquele fim do mundo.
Eu esperava apenas cicatrizar o buraco da bala que transpassara a banda esquerda da minha bunda e seguir o quanto antes para São Francisco. Só isso. Não agüentava mais aquela pocilga, junke food, os porres de Jim Bean e as desventuras que assombravam meu caminho nos últimos dois meses. Já estava ali há duas semanas. A hora de partir se aproximava com a certeza das noites que cauterizam as feridas do dia-a-dia. Exceto para os que morrem na poeira à luz do sol. Joel Dee, um dos vizinhos esquisitos, ia levar uma carga de haxixe até Las Vegas e eu e El Tigre iríamos de carona. Foi o que consegui. Um Malibu caindo aos pedaços dirigido por um velho mecânico com cara de porco, um duroque adiposo e mal-humorado. Os olhos obtusos revelavam algum retardo mental. Mas não era perigoso. Era a segunda vez que aportaríamos em Las Vegas na desesperada tentativa de chegar a São Francisco, pegar meus tickets de volta ao mundo e me mandar pro Oriente.
Mais de seis meses se passaram desde que deixei Buenos Aires, depois São Paulo, Chicago e a tentativa de atravessar até a costa oeste de moto. O reencontro com El Tigre, o cachorro maconheiro órfão do casal de velhos que cantava pungentes tangos nas ruas da capital argentina. Não pude acreditar quando nos encaramos em um boteco na Jamaica, ele coberto de dread locks, um charo em homenagem a Bob Marley no canto das mandíbulas, olhos injetados como um Mefisto diabólico, sorvendo vagarosamente uma garrafa de Red Stripe. E todas as aventuras que partilhamos embarcados em uma banheira de ferro, mais velha que Cristóvão Colombo, quicando de ilha em ilha durante a pior temporada de furacões das Caraíbas de todos os tempos. Farinha, cocos, crânios e armas foram contrabandeados no nosso humilde cargueiro, até soçobrarmos na costa de El Passo, no rabo do Furacão... To be continued - IMAGEM - www.flickr.com/photos/harizma/778519839/
2 comentários:
Daê Brow!!!
Cara, gostei da estória e estou aguardando a continuação...
Só avisa o perro pra manerar na gandaia, se não não chega nem em Frisco... kkkkk
Falou meu e até!
Dá-lhe Big Bob.
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