Quadrinista adaptou obras literárias de Franz Kafka para os desenhos.
Do alto de seus mais de 30 anos de carreira, o norte-americano Peter Kuper alerta: ser desenhista não é fácil. Convidado da segunda edição da feira de quadrinhos Rio Comicon, que acontece na Estação Leopoldina, no Rio, até domingo (23), o quadrinista comenta o esforço que faz para despertar reflexões políticas e sociais através de uma atividade muitas vezes encarada como simples entretenimento.
"Pode ser um problema exclusivamente meu, mas acho tão difícil fazer quadrinhos. Porque preciso que algo me force a fazer uma piada, ela não pode ser dissociada do que me cerca. Acho que as pessoas têm que ser malucas para não se interessarem pelo mundo à sua volta. Para mim, quando alguém diz ‘não me interesso por política’ é a mesma coisa que ouvir ‘não quero saber do fogo que queima o sofá onde estou sentado’. Afeta você, se estiver prestando atenção ou não", diz o quadrinista, que também faz ilustrações e capas para publicações como "Time", "Newsweek" e "The New York Times", além de lecionar cursos sobre quadrinhos há 25 anos.
"Sei que há coisas acontecendo, problemas muito sérios. Sinto a necessidade de falar sobre eles. Então, o que faço é desenhar. Vem dessa maneira", comenta Kuper, que já morou em Israel e na cidade mexicana de Oaxaca.
A experiência na América Central entre 2006 e 2008 rendeu o livro "Diário de Oaxaca" e teve muito mais um caráter de "fuga" do que uma simples opção. "Em parte quis fugir da política dos Estados Unidos. Estava tão cansado da administração de George W. Bush e de tudo o que acontecia no meu país... então fui para o México. Chegando lá, aterrissei no meio de uma greve de professores. Percebi que, para onde quer que a gente vá, haverá sempre um problema", contou Peter, atual morador de Nova York.
Spy e Kafka
Mas a carreira do futuro professor de Harvard (ele dará aulas na universidade no próximo ano) também inclui outros tipos de "desafios", como o próprio Kuper destaca. Em 1993, foi convidado para desenhar a clássica série "Spy vs. Spy", da revista "Mad", por conta da aposentadoria de seu criador, Antonio Prohías.
"Quando me convidaram, quase disse 'não'. Porque vinha desenhando meus próprios quadrinhos e desenvolvendo meus próprios personagens. Mas me pediram para experimentar. 'Faça apenas um, veja se funciona', disseram. Não me deram o emprego de cara", relembra Kuper, explicando porque decidiu aceitar a proposta.
"Lembrei do impacto que 'Spy vs. Spy' teve sobre mim, especialmente porque adorava a ideia de quadrinhos sem diálogos. E cresci lendo a revista 'Mad'. Então, decidi fazê-lo. Pensei que fosse durar apenas um ou dois anos. Já estou nisso há 16", relembra.
Ousadia ainda maior foram as adaptações que fez para as obras literárias do escritor Franz Kafka, "Desista!", reunindo nove pequenas histórias, e "A metamorfose", que narra a angústia do jovem Gregor Samsa. Ao despertar de uma intranquila noite de sono, Samsa percebe que se transformou num inseto asqueroso, uma espécie de barata gigante, sem entender o que teria provocado a mutação.
"Foi muito excitante transportar o universo de Kafka para os quadrinhos. Ele usa palavras muito descritivas. As ilustrações quase que se desenharam sozinhas algumas vezes. Ao mesmo tempo, foi um baita desafio. Mas não sei mensurar exatamente se fui muito estúpido ou corajoso por não ter me intimidado com a missão. Ou melhor: creio que a estupidez tenha vencido", brinca o desenhista.
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