14.8.2011
|8h00m
À esquerda do peito
Como escrever sobre a perda de alguém tão 
querido? Tento driblar a dor, traduzindo em 
palavras o sentimento, a saudade e as 
recordações. Perdi, na última sexta-feira, 
mais que um amigo. Foi-se um ídolo, um 
mito, um mestre, um dos mais brilhantes 
jornalistas com quem tive a honra de 
trabalhar: Cláudio Mello e Souza, um de 
meus "pais" na imprensa. 
Seu texto irrepreensível tinha a magia de um 
drible de Garrincha e a eficácia de um chute de 
Pelé. Escrevia como um artista. Um fora-de-série. Só 
comparável a Armando Nogueira, o "Machado de 
Assis da crônica esportiva". Cláudio, entretanto, 
tinha outra linhagem. Era discípulo e amante da 
literatura de Eça de Queirós. E foi graças a ele que 
li e reli "Os Maias", obra-prima e obrigatória da 
língua portuguesa. 
Ao Cláudio, porém, devo mais. Muito mais. 
Conheci-o quando eu ainda era um jovem repórter 
do GLOBO e ele já um renomado colunista do 
jornal. A partir daí, surgiu uma identificação 
imediata e conversávamos, sempre, ora na redação, 
ora na tribuna de imprensa do Maracanã. 
Botafoguense saudoso dos gloriosos tempos de 
Heleno de Freitas, Nílton Santos (de quem era 
amigo particular), Mané, Gerson e Jairzinho, ainda 
que sem renegar a paixão alvinegra; naqueles idos 
dos anos 80, rendia-se ao talento rubro-negro de 
Zico, Júnior, Carpegianni, Leandro e Cia. Na 
verdade, como amante do esporte, o que admirava 
mesmo era a beleza do futebol. Um esteta. 
Certo dia, após a transferência de nosso editor 
Milton Temer para o cargo de correspondente em 
Londres, meu fiel escudeiro, Antônio Roberto 
Arruda, aproximou-se, na redação, e sussurrou: 
— Ouvi dizer que nosso próximo chefe será o 
Cláudio Mello e Souza... 
Informações de cocheira do Arruda normalmente 
eram quentes. E, como jornalista que se preza, 
tratei de buscar a confirmação, diretamente com a 
fonte. Liguei pra casa do Cláudio: 
— Estão dizendo que você assumirá a editoria — 
disparei, à queima-roupa. 
— E eu estou sabendo que você será o meu 
primeiro repórter — replicou ele, às gargalhadas, 
convidando-me para ir visitá-lo, em São Conrado, 
"tomar um scotch e discutir o futuro". 
Ah, grande Cláudio, quantos bons uísques 
bebemos juntos e quantas vezes conversamos, a 
sério ou não, sempre com imenso prazer? 
Foi num jantar em um endereço já diferente 
(conquistador incorrigível, se mudava com a 
mesma rapidez com que se casava e se separava), 
que ele me apresentou a Otto Lara Resende, outro 
gênio das letras, outra figura encantadora, seu 
amigo de longa data. 
E era assim, aparentemente por acaso (mas, 
aposto, de caso bem pensado), que Claudio Mello e 
Souza ia me oferencendo, de graça, um autêntico 
MBA de jornalismo e de vida. 
Graças a ele tive até a ventura de me sentar à 
mesa com Rubem Braga (mestre dos mestres, entre 
os cronistas do cotidiano), num jantar inesquecível 
no antigo e saudoso Florentino's. Restaurante que, 
na época em que Cláudio editou o Esporte do 
Globo, se tornou uma espécie de nosso quartel- 
general. Fechávamos o jornal e seguíamos para o 
final do Leblon, onde encontrávamos amigos, 
jogávamos conversa fora, analisávamos e 
avaliávamos erros e acertos da última edição e 
planejávamos as futuras. 
Tudo em conversas que eram, invariavelmente, 
experiências encantadoras. Extremamente culto e 
bem vivido, seu papo ia muito além do futebol ou 
do próprio esporte. Falava, com igual propriedade, 
de jornalismo, da obra teatral de Shakspeare, da 
arte existente numa tourada, de mitologia grega, de 
política (fora grande amigo de Carlos Lacerda) e até 
de prosas e versos. 
Sim, era, de fato, um poeta, autor de três livros 
do gênero ("O Domador de Cavalos", "Corpo e 
Alma" e "O Passageiro do Tempo"). Na minha 
opinião, porém, suas maiores poesias foram 
impressas nas colunas em que retratava, com 
inspirada leveza e acurado rigor, musas, heróis e 
vilões das quadras, das piscinas e dos campos. Foi 
com Cláudio, aliás, que aprendi a importância de 
um vocabulário farto e de um texto emocionante: 
— Você escreve direito mas tem que evitar as 
repetições. Hoje em dia, está utilizando, no máximo, 
500 palavras — me disse, certa vez, sem rodeios, 
quando lhe perguntei se gostara da reportagem que 
eu acabara de redigir. 
— Somos contadores de histórias. E história sem 
emoção não presta — ensinou, quando lhe 
entreguei uma crônica fria de um jogo ruim. 
— Até as peladas tem alma. E é preciso escrever 
sobre elas com sentimento. Nem que seja o de 
revolta pela pobreza do espetáculo — resumiu, de 
forma brilhante. 
Graças ao Cláudio, passei também a editar e, 
após me tornar seu assistente, acabei substitundo- 
o, quando, casado com uma linda milionária, pediu 
demissão, "pra aproveitar a vida". 
Assim era ele. E se algo me consola, neste triste 
momento, é saber que soube viver com intensidade 
e prazer os seus 76 anos. Descansa em paz, amigo! 
Qualquer dia desses, a gente volta a se encontrar...
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